Por Andréa Antunes Setembro 18, 2023
O papel da energia nuclear no Brasil
O Acadêmico Leonam Guimarães ministrou a palestra “Conhecer o Passado para Construir o Futuro”, na reunião virtual do Comitê Permanente de Energia da ANE, no dia 21 de setembro . Em sua apresentação, Leonam Guimarães, um dos maiores especialistas brasileiros no assunto, abordou o futuro da geração de energia elétrica no Brasil. A apresentação está disponível em nosso canal do youtube. para rever basta clicar aqui. Recentemente reconduzido ao grupo de assessoria permanente do Diretor-Geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), Leonam Guimarães sinaliza nesta entrevista quais as principais preocupações hoje da AIEA. Fala também das possibilidades da energia nuclear para o Brasil e pontua o papel da usina Angra 3. Leonam Guimarães presidiu a Eletronuclear entre 2017 e 2022. É membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear – SAGNE e do Grupo de Especialistas em Responsabilidade Civil por Danos Nucleares – INLEX, ambos da Diretoria-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA e faz parte do Conselho de Administração da World Nuclear Association. A palestra pode ser vista em nosso canal do youtube.
O cenário hoje, com guerra na Europa, aquecimento global, elevado custo dos combustíveis fosseis, é favorável para o crescimento da energia nuclear? LG: O cenário atual, com a guerra na Europa, o aquecimento global e o elevado custo dos combustíveis fosseis, pode criar um ambiente mais favorável para o crescimento da energia nuclear em alguns aspectos, especialmente em relação à segurança energética. Vamos analisar como a energia nuclear pode contribuir para a segurança energética: Baixas Emissões de Carbono: A energia nuclear é uma fonte de energia de baixa emissão de carbono, o que a torna atraente em um contexto de preocupações com o aquecimento global. Reduzir a dependência de combustíveis fósseis, que são uma das principais fontes de emissões de CO2, pode ajudar a mitigar as mudanças climáticas. Independência Energética: A produção de eletricidade a partir de energia nuclear não está sujeita às flutuações dos preços dos combustíveis fósseis ou a interrupções no fornecimento, como as causadas por conflitos geopolíticos. Isso contribui para a independência energética de um país, reduzindo a vulnerabilidade a choques no mercado de energia. Geração de Base: As usinas nucleares são capazes de fornecer eletricidade de forma constante e previsível, 24 horas por dia. Isso as torna uma fonte de geração de base, o que é fundamental para manter a estabilidade da rede elétrica, especialmente em momentos de alta demanda ou durante crises energéticas. Diversificação da Matriz Energética: Ter uma matriz energética diversificada é essencial para a segurança energética. A energia nuclear pode ser uma parte importante dessa diversificação, juntamente com outras fontes de energia, reduzindo a dependência de uma única fonte e a variabilidade das fontes renováveis. Estabilidade de Preços: Embora os custos de construção e manutenção de usinas nucleares sejam elevados, uma vez em operação, elas tendem a ter custos operacionais estáveis e previsíveis. Isso pode ajudar a proteger os consumidores contra variações extremas nos preços da eletricidade. Em resumo, em um cenário como de hoje, com preocupações sobre o aquecimento global, alta volatilidade nos preços dos combustíveis e busca por segurança energética, a energia nuclear pode desempenhar um papel relevante. O cenário atual, portanto, é bastante favorável ao crescimento da energia nuclear como foi o cenário das crises do petróleo da década de 70, quando a indústria nuclear mundial se consolidou No contexto da transição energética, qual o papel da energia nuclear no Brasil? LG: A energia nuclear desempenha um papel importante no contexto da transição energética no Brasil. Ela é uma fonte de energia que não emite gases de efeito estufa durante a geração de eletricidade, o que a torna uma opção relevante para reduzir a pegada de carbono do país. Aqui estão alguns pontos-chave sobre o papel da energia nuclear no Brasil: A energia nuclear também enfrenta desafios no Brasil, como o gerenciamento seguro dos resíduos radioativos e o financiamento de novas usinas nucleares. Além disso, a expansão da energia nuclear no país é frequentemente debatida devido a preocupações ambientais e de segurança. Com tantos recursos naturais, como vento, sol e água, o Brasil precisa da energia nuclear? LG: O Brasil possui de fato uma abundância de recursos naturais, como vento, sol e água, que podem ser aproveitados para a geração de energia limpa e renovável. No entanto, a energia nuclear também desempenha um papel importante na matriz energética do país por várias razões. Primeiramente, a energia nuclear é uma fonte de energia de base, ou seja, ela fornece eletricidade de forma constante, independentemente das condições climáticas. Isso é importante para garantir o fornecimento contínuo de eletricidade, especialmente em momentos de alta demanda, o que é fundamental para a garantia da segurança energética em condições de variabilidade natural das fontes renováveis. Além disso, a energia nuclear é uma fonte de energia de baixa emissão de carbono, o que contribui para a redução da poluição do ar e do aquecimento global. Ela também pode ajudar a diversificar a matriz energética do país, reduzindo a dependência de fontes de energia fóssil, como o gás natural. Como fica a questão dos resíduos? LG: A disposição final dos rejeitos nucleares e combustível usado no Brasil é uma responsabilidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que é uma autarquia federal responsável pela regulamentação e fiscalização das atividades nucleares no país. O gerenciamento desses materiais é feito com base em diretrizes e regulamentações específicas, considerando diferentes prazos e estratégias. Sobre o gerenciamento de rejeitos nucleares e combustível usado em curto, médio e longo prazo no Brasil: – Rejeitos de Baixa e Média Atividade: Esses rejeitos são geralmente provenientes de hospitais, indústrias e laboratórios. Eles são acondicionados em embalagens adequadas e armazenados temporariamente em instalações licenciadas pela CNEN, como o Centro de Gerenciamento de Rejeitos (CGR) da central nuclear de Angra. – Combustível Usado: O combustível usado é armazenado a curto prazo em piscinas de armazenamento dentro das usinas nucleares. Esse armazenamento temporário permite o resfriamento do combustível e a redução de sua radioatividade. – Rejeitos de Média e Baixa Atividade: Para os rejeitos que requerem armazenamento a médio prazo, o Brasil está desenvolvendo o projeto de um Repositório de Rejeitos Radioativos de Baixa e Média Atividade (RRBM ou CENTENA), que será localizado em área adequada e seguirá normas internacionais de segurança. – Combustível Usado: O combustível usado é transferido de piscinas de armazenamento para envólucros especiais chamados “contenedores de armazenamento a seco” para estocagem a médio prazo nas instalações das usinas nucleares. É importante destacar que o gerenciamento de rejeitos nucleares e combustível usado é uma questão de segurança nacional e internacional, e o Brasil adere às normas e regulamentos estabelecidos pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para garantir a proteção do meio ambiente e da população. O planejamento e a implementação de soluções a longo prazo para esses materiais radioativos são cuidadosamente monitorados e regulamentados para garantir a segurança e minimizar os impactos ambientais. O sr. Foi convidado novamente para ser membro do Grupo Consultivo sobre Energia Nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica. Quais são as principais discussões hoje sobre energia nuclear? LG: Na verdade, sou membro do SAGNE (Standing Advisory Group on Nuclear Energy), grupo de assessoria permanente do Diretor-Geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) desde de 2010. Recentemente fui mais uma vez reconduzido ao grupo para o triênio 2023-2026. As principais discussões hoje envolvem a segurança das usinas nucleares da Ucrânia afetadas pelas ações de guerra ocorrendo naquele país, o desenvolvimento de SMR (Small Modular Reactor) visando ampliar a contribuição da energia nuclear para a descarbonização profunda da economia mundial, inovações tecnológicas para reduzir custo e prazos para descomissionamento de usinas no seu fim de vida útil e para o gerenciamento seguro a longo prazo do combustível nuclear usado, incluindo sua reciclagem. O que representará para o Rio de Janeiro e para o País a construção de Angra 3? LG: A construção da Usina Nuclear Angra 3 é de grande importância tanto para o Rio de Janeiro quanto para o Brasil como um todo. Angra 3 é uma usina nuclear que tem o potencial de gerar uma quantidade significativa de energia elétrica, superior a 1.400MW, próximo aos principais centros de carga, minimizando requisitos de transmissão e contribuindo à estabilidade dinâmica do Sistema Elétrico Brasileiro, como vem fazendo com excelente desempenho suas “irmãs” Angra 2 e 1. Isso é crucial para atender às demandas crescentes de eletricidade no estado do Rio de Janeiro e no país. Além disso, a energia nuclear é uma fonte de energia limpa, o que contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Angra 3 contribui para a diversificação da matriz energética do país, reduzindo a dependência de fontes de energia tradicionais, como hidrelétricas e termelétricas, bem como as modernas fontes renováveis variáveis eólica e solar. Isso aumenta a segurança energética do Brasil, tornando-o menos vulnerável a variações climáticas e meteorológicas, assim como problemas de abastecimento e volatilidade de preços na cadeia produtiva dos combustíveis fósseis. Não podemos esquecer que a construção e operação de Angra 3 geram grande volume de empregos para engenheiros, técnicos, operadores e trabalhadores da construção civil e correspondente renda, estimulando o desenvolvimento não só no local de sua implantação, mas também ao nível regional e nacional. O investimento em usinas nucleares apresenta um elevado fator multiplicador do Produto Interno Bruto em todos os três níveis. O projeto envolve tecnologia avançada e conhecimento especializado, o que pode impulsionar a pesquisa, desenvolvimento e inovação no Brasil. Além disso, pode aumentar a capacidade do país de desenvolver outras aplicações relacionadas à energia nuclear, bem como exportar sua expertise e colaborar com outros países que desejam desenvolver programas nucleares pacíficos. Isso pode fortalecer as relações internacionais e trazer benefícios econômicos adicionais. Por fim, a energia nuclear é considerada uma fonte de energia limpa, pois não emite de gases de efeito estufa durante a geração de eletricidade e as emissões totais quando se leva em conta todo o ciclo de vida é das menores, comparável à energia eólica. Isso contribui para os esforços para atingimentos das metas “net zero” para redução da pegada de carbono do Brasil. O preconceito em relação à segurança já foi superado? Quais são hoje as principais questões em torno da energia nuclear? LG: O preconceito em relação à segurança nuclear não foi completamente superado, mas houve avanços significativos na tecnologia e nos protocolos de segurança ao longo dos anos. A energia nuclear continua sendo uma fonte de energia controversa em muitos lugares devido aos riscos associados à liberação acidental de material radioativo, como vazamentos nucleares e acidentes nucleares, como o desastre de Chernobyl em 1986 e o acidente de Fukushima em 2011. As principais questões em torno da energia nuclear hoje incluem: Portanto, enquanto a energia nuclear continua sendo uma fonte de energia importante em muitas partes do mundo, as questões de segurança, gerenciamento de resíduos e não proliferação nuclear são áreas de constante preocupação e debate.