Por Andréa Antunes Fevereiro 10, 2021
Em janeiro, o Acadêmico João Luiz Filgueiras de Azevedo assumiu a presidência do Conselho Internacional de Ciências Aeronáuticas (ICAS), cuja sede atualmente fica em Bonn, na Alemanha. Membro da entidade desde 1988, o Acadêmico é o primeiro brasileiro a ocupar a direção da associação que reúne instituições nacionais com interesse no setor aeronáutico de diversos países. Graduado em engenharia aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), com mestrado e doutorado em engenharia aeronáutica e astronáutica pela Stanford University, dos Estados Unidos, João Luiz Azevedo é fellow do American Institute of Aeronautics and Astronautics (AIAA). Foi presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), diretor de transporte espacial e licenciamento da Agência Espacial Brasileira (AEB) e diretor científico da ABCM. Atualmente, é pesquisador titular do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e professor colaborador do ITA. Nesta entrevista, ele fala sobre o desafio de presidir uma instituição que tem como objetivo buscar o desenvolvimento de um dos setores mais afetados pela pandemia de Covid-19. O Acadêmico João Luiz de Azevedo aborda também os avanços na área e as perspectivas para o setor no Brasil.
ANE – Como o Sr. recebeu a indicação para a presidência do Conselho Internacional de Ciências Aeronáuticas (ICAS)? E o que representa para o País sua eleição?
João Luiz Filgueiras de Azevedo – O ICAS é uma congregação de associações científicas nacionais com interesse na área de engenharia e ciências aeronáuticas. Eu sou membro do ICAs há muitos anos e participo das atividades da instituição. Em 1992, procurei o presidente do ICAs e sugeri a ABCM (Associação Brasileira de Engenharia e Ciências Mecânicas) para ser a representante brasileira, já que não havia muita informação sobre a instituição que representava o país até então. A partir disto, houve um envolvimento cada vez maior com os trabalhos, a organização de eventos e a gestão do ICAS. A eleição foi em setembro passado, quando o Conselho do ICAS votou o novo Comitê Executivo, que inclui os postos principais de condução da instituição. A proposta apresentada pelo Comitê Executivo anterior foi aprovada, mas o mandato começou em primeiro de janeiro de 2020 e vai até o final de dezembro de 2022.
O sr. é o primeiro brasileiro eleito para comandar a entidade. O que isso representa para o País e quais são os seus projetos para o ICAS?
João Luiz Filgueiras de Azevedo – Para o Brasil, acredito que é interessante o destaque de ter um cidadão brasileiro como presidente de uma associação internacional. É uma prova de que temos expertise no setor. Um dos desafios é que as pessoas estão se envolvendo menos nas associações científicas. Isso é uma realidade para ICAS e para outras associações. Digo envolvimento no sentido de participar das atividades, pagar anuidade etc. Existe uma necessidade de buscar formas de motivar as gerações mais novas a participar dessas associações científicas. Para a minha geração isso era algo natural, mas para a de hoje não. Com a pandemia de Covid -19 todos estão em casa e conectados, então vamos tentar aproveitar essa situação para aproximar os jovens do ICAS, fazer com que participem de nossas atividades e de nossos eventos.
Outro ponto é que a pandemia cria problemas sérios. Um dos setores mais afetados é o aeronáutico. As pessoas pararam de viajar, seja por medo da pandemia ou por restrições do governo. O passageiro de business é o que mantém as empresas áreas e esse tipo de viagem está muito restrito. Outro problema é que empresas áreas que já tinham encomendado aeronaves estão desistindo, postergando a entrega. Portanto, as grandes empresas que produzem aeronaves da aviação comercial como Boeing, Airbus, Embraer, estão passando por dificuldades grandes. Existe uma questão de tentar equacionar isso no contexto de uma associação que depende desse tipo de indústria. Quem vai patrocinar eventos dos ICAS são essas empresas do setor aeronáutico e, se estão com problemas, não vão investir. É uma questão de tentar sobreviver neste cenário. As empresas estão dizendo que o tráfego aéreo só vai retornar ao padrão do final de 2019 em 2023 e o setor aeronáutico como um todo precisa sobreviver até lá. Uma associação que representa essa indústria também terá que se manter nesse período. Há ainda uma série de outras questões menores que foram colocadas em segundo plano, a prioridade é sobreviver a este período e buscar se adaptar, e talvez prosperar, dentro da nova realidade que vai emergir desta pandemia.
Por falar na pandemia, ela trouxe dificuldades para todos os setores. No setor aeronáutico não foi diferente. Qual a situação hoje?
João Luiz Filgueiras de Azevedo – Todos os setores foram afetados pela pandemia, mas o aeronáutico foi extremamente afetado. O número de voos caiu muito e há muitas aeronaves paradas. Mas a questão não se resume à aeronave que você estaciona em um lugar, com pouca umidade, sem ferrugem, e ela está segura, parada. Há o piloto, o comissário de bordo, o que fazer com esse pessoal? Nos Estados Unidos o governo ajudou as empresas para que pudessem manter os funcionários, mas vamos além, não é só a empresa de aviação, tem a indústria que produz a aeronave, por exemplo. Hoje as empresas não querem receber aviões porque não estão voando. Então, como ficam as empresas que produzem e têm seus funcionários? A indústria aeronáutica, de uma maneira geral, sempre foi muito cíclica, com altos e baixos, e estava em uma fase muito boa até o final de 2019. Quem trabalha em aeroporto também foi afetado, já que a taxa de movimento caiu brutalmente, assim como as empresas de manutenção de aeronaves. É um efeito em cadeia que exige muito esforço e criatividade para ser superado.
E quais são as perspectivas para o Brasil, na sua opinião?
João Luiz Filgueiras de Azevedo – O cenário, de forma resumida apresenta a seguinte situação: a Boeing cancelou o acordo com o Embraer, que continuará sendo uma empresa apenas brasileira e agora vai enfrentar uma concorrência grande. A Boeing e a Airbus competiam entre si por aeronaves de grande porte e a Embraer estava mais no nicho de mercado associado à aviação regional, com aeronaves não tão grandes. O principal competidor da Embraer era uma empresa canadense chamada Brombardier, que vendeu seus negócios de aviação comercial para a Airbus. Então, hoje, a Airbus produz aeronaves maiores e também aquelas que vão competir com a Embraer. O grande problema que a Embraer enfrenta não é pela qualidade da aeronave, mas sim a rede de marketing de venda, de financiamento da venda, e de apoio ao cliente já que a Airbus é gigante. Essa é uma competição difícil, mas tenho a impressão de que a Embraer continuará com a tipo de aeronave que produz e irá diversificar para outros nichos de mercado para se manter como uma empresa competitiva de mercado. Tento ser otimista. É verdade que há desafios, que os recursos para pesquisa e desenvolvimento estão escassos, mas há oportunidades como os drones, aeronaves de transporte individual e tenho certeza de que o pessoal da Embraer está olhando para isso e buscando criar novos nichos de mercado. Certamente, temos engenheiros qualificados para realizar o trabalho técnico uma vez que exista uma decisão sobre a direção a seguir.
A evolução tecnológica e a preocupação ambiental têm gerado muitas mudanças no setor de transportes. Hoje cada vez fala-se mais em carros elétricos, carros compartilhados, uso de bicicletas, quando falamos em transportes rodoviários. Qual o impacto desses avanços no setor aéreo?
João Luiz Filgueiras de Azevedo – O setor aeronáutico se preocupa com isso há muito tempo, o que tem levado a um aumento muito grande de eficiência das aeronaves. Claro que o operador quer diminuir os custos e a variável mais importante no custo variável é o combustível, então ele quer reduzir o consumo, mas isso também reduz drasticamente a quantidade de gases poluentes passados para a atmosfera. Há 30 anos que as pessoas no setor vêm investindo no aumento de eficiência e na redução de poluentes e isso continuará a acontecer. A expectativa de ser neutro em carbono vem sendo perseguida pelo setor aeronáutico. Uma das possibilidades que já está sendo implementada é o uso de eletricidade, ao invés de usar a potência da turbina, nas atividades realizadas com a aeronave em solo. Há também a questão de aeronaves elétricas, são aeronaves pequenas, mas já em desenvolvimento. Em aeronaves de grande porte é mais complicado. Temos também a aeronave de uso individual, o táxi aéreo, que deu maior mobilidade urbana e despertou bastante interesse. Há muita gente investindo e procurando desenvolver aeronaves elétricas para essa modalidade. Ou seja, temos uma série de coisas acontecendo ao mesmo tempo, mas no setor aeronáutico há uma dificuldade muito grande que é a questão do peso. O setor de carro elétrico está disparando no mundo inteiro, mas para aplicações aeronáuticas a densidade de energia das baterias teria que ser muito maior do que é hoje nos modelos existentes. Por outro lado, nossa demanda é muito pequena comparada, por exemplo, com o setor automobilístico, o que gera uma dificuldade maior para o investimento em pesquisas para o desenvolvimento destas baterias. Mas o setor aeronáutico não está pensando apenas no transporte de passageiros. Se pensarmos em veículos menores, como os drones, por exemplo, há essencialmente o mesmo tipo de tecnologia envolvida. Os drones ainda não são muito usados no Brasil para entregas, mas em alguns países isso já é uma realidade. Mas essa não é apenas uma questão de tecnologia. Como vamos deixar um drone voar na cidade? Imagine, você está na praia, ou andando na rua, e um drone cai e machuca alguém. Quem é o responsável? Ou ainda um drone entrando na turbina de um avião? Isso só na questão segurança, mas há também a privacidade. Essa integração de drones no espaço aéreo ainda não foi resolvida. Então, o que vemos é que a indústria está caminhando, mas há muito questionamento, muita coisa que precisa ser feita. Mas existe um esforço grande da indústria. Todos estão convencidos de que o futuro é verde, carbon neutral, e existe um investimento grande por parte das empresas em aeronaves mais elétricas e avanços no sentido de diminuir significativamente a emissão de gases poluentes.
O Brasil está preparado para avançar no setor? Temos engenheiros capacitados?
João Luiz Filgueiras de Azevedo – O setor aeronáutico é um dos grandes exemplos do Brasil que deu certo. No Brasil, a formação de engenheiros aeronáuticos começou na década de 1940, quando não havia indústria automobilística e tínhamos um país essencialmente agrícola. Um visionário, chamado Casimiro Montenegro Filho, que aliás é um dos patronos da ANE, criou um Centro de Pesquisas associado ao Ministério da Aeronáutica, o Centro Técnico da Aeronáutica (CTA), sendo que o ITA foi o primeiro dos institutos criados no âmbito do CTA. Começamos a formar engenheiros aeronáuticos. Um dia alguém criou o avião Bandeirante que exigiu a formação de uma empresa para comercializá-lo. Foi criada então a Embraer. O que vemos é que a questão de formação de pessoal para a área aeronáutica no Brasil é uma das poucas coisas em que somos muito bons. Inclusive, atualmente, diversas outras universidades boas do país oferecem cursos em engenharia aeronáutica ou aeroespacial. Estamos fazendo o que deve ser feito. Agora se há absorção desses engenheiros na área em que ser formaram é outra questão, assim como podemos debater se os institutos de pesquisa continuam sendo capazes de investir em pesquisas de ponta. Mas estamos formando pessoal e existem formas de complementar isso via mestrados profissionais, como a Embraer criou junto com o ITA, e estes tem funcionado muito bem. Acho que o nosso gargalo não é na formação de engenheiros para área. Nossos institutos de pesquisas é que não estão tão bem. Eles precisam de recursos e isso tem sido cada vez mais difícil nos últimos anos.
- International Council of the Aeronautical Sciences (ICAS)
O Acadêmico João Luiz Filgueiras de Azevedo estará à frente do International Council of the Aeronautical Sciences (ICAS) até dezembro de 2022. Membro da instituição desde 1988, é o primeiro brasileiro a comandar a entidade, sediada atualmente em Bonn, na Alemanha.
Fundada em 1957, o ICAS é uma associação mundial que congrega sociedades nacionais com o objetivo de fomentar o avanço e a colaboração internacional nas áreas de engenharia e de ciências aeronáuticas. Atualmente, conta com 29 países-membros, além de 37 organizações associadas de 18 países.
A cada dois anos, a entidade organiza um congresso mundial cuja última edição presencial aconteceu em 2018 em Belo Horizonte (MG). “Em 2018 tivemos o evento no Brasil que é um País importante sob o ponto de vista da indústria aeronáutica. A Embraer é o terceiro maior produtor de aeronaves comerciais do mundo. A indústria aeronáutica no Brasil é um caso de sucesso”, diz o presidente do ICAS.
A próxima edição do evento está marcada para ocorrer de forma semipresencial em setembro deste ano em Shangai, na China. “Esse congresso seria em 2020, mas não pôde ser realizado. Então, ele ocorrerá este ano e, durante o evento, o presidente que me antecedeu terá todas as honras e responsabilidades do cargo como se ainda fosse o presidente”, concluiu.