Um dos maiores especialistas em pesquisa e inovação na área de vidros do Brasil, o Acadêmico Edgar Dutra Zanotto celebrou a indicação do pesquisador Alexei Ekimov, como um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Química este ano. “Estes dois últimos anos foram especialmente motivadores para a comunidade de pesquisa de vidros (engenheiros, físicos e químicos) devido a esses dois enormes eventos (indicação de Ekimov e escolha de 2022 como ano do vidro pela ONU)”, diz.
Engenheiro de Materiais pela UFSCar, mestre em Física pela USP e Doutor em Ciências e Tecnologia de Vidros pela Universidade de Sheffield, Reino Unido. Professor Titular do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, criou em 1977 o Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV), o primeiro do Brasil. Ao longo de sua carreira, já publicou mais de 400 artigos em periódicos científicos, detentor de cerca de 30 patentes, orientou uma centena de trabalhos de pós-graduação (dissertações de mestrado, teses de doutorado e supervisões de pós-doutorado). Nesta entrevista, Zanotto fala um pouco sobre este material que nem sempre é percebido, mas de grande importância para a evolução de nossa sociedade.
Como veio o interesse para pesquisar vidros?
Edgar Dutra Zanotto (EDZ): Tive uma bolsa de iniciação científica em 1976, sob a supervisão de um professor visitante norte americano (O. J. Whittemore) quando estava no último ano de engenharia de materiais na UFSCar. O projeto tratava da encapsulação de resíduos radioativos em vidros especiais, tema de enorme interesse até hoje!
O ano de 2022 foi escolhido pela ONU como o Ano Internacional do Vidro. Agora em outubro, o pesquisador Alexei Ekimov, dividiu com outros dois pesquisadores o Prêmio Nobel em Química, por ter descoberto, em 1981, nanocristais dispersos em vidros. O que esses eventos representam para comunidade que pesquisa vidros?
EDZ: Estes dois últimos anos foram especialmente motivadores para a comunidade de pesquisa de vidros (engenheiros, físicos e químicos) devido a esses dois fantásticos eventos. Um legado importante deles é que os pesquisadores de outras áreas começaram prestar mais atenção a estes maravilhosos materiais, que nem sempre são notados, pois são transparentes.
A descoberta do vidro revolucionou a sociedade?
EDZ – No início, há alguns milênios, o vidro servia como ornamentos pessoais e arquitetônicos, e recipientes para líquidos (usos relevantes, mas não caracterizam uma revolução), mas a descoberta do método de produção de vidro plano um século antes de Cristo (a. C) foi revolução, pois não existiam janelas transparentes!
Imaginem a nossa vida sem as janelas transparentes, que nos protegem dos rigores do clima, da chuva, sujeira, insetos, etc. e ainda nos permitem desfrutar da luz e beleza dos ambientes exteriores…
Quais são os resultados do uso da inteligência artificial (IA) na pesquisa de materiais vítreos?
EDZ: Gigantescos avanços no entendimento e desenvolvimento de novos vidros–com combinações inusuais de propriedades–já estão sendo catalisados e viabilizados por IA! E os vidros são especialmente adequados a tais estudos, pois suas propriedades dependem apenas da composição química, portanto, fica relativamente fácil treinar algoritmos de IA utilizando milhares de dados disponíveis na literatura especializada que correlacionam determinadas propriedades (por exemplo, dureza, índice de refração, densidade, módulo de elasticidade, expansão térmica etc.) com a composição dos vidros.
Com a IA podemos ter o desenvolvimento muito mais rápido e econômico de materiais mais eficientes, duradouros e baratos que podem beneficiar vários setores da economia, da tecnologia e da nossa vida cotidiana.
Por que o vidro é um material com uma grande área de aplicação? Quantos tipos de vidros existem?
EDZ: Vidros são utilizados em todas as áreas de engenharia, desde utensílios domésticos e construção civil até recepients inertes para vacinas e outros fármacos, fibras ópticas, telefones celulares, baterias, lentes especiais, e em medicina (biovidros). Estima-se que existam cerca de meio milhão de vidros já divulgados na literatura e meio milhão de outros vidros cujas composições são mantidas em segredo por empresas!
Quais são os desafios para a pesquisa de vidro no Brasil?
EDZ: Os desafios para o Brasil são superar as dificuldades geradas pelas enormes flutuações estruturais e econômicas. Até hoje, em 6 mil anos de história desde a sua descoberta acidental, foram desenvolvidos cerca de 1 milhão (10^6) de vidros distintos (com composição química distinta). Para o mundo, o desafio é descobrir formas eficientes de desenvolver as restantes 10^50 (dez elevado a 50) composições possíveis de vidros com propriedades e aplicações inusitadas.
Qual projeto atual o sr. está desenvolvendo?
EDZ: Temos inúmeros projetos; atualmente oriento 9 post-docs, 5 alunos de doutorado e meia dúzia de ICs, além de colaborar com mais de duas dezenas de professores de diversas instituições. Atuamos no entendimento de relações entre a estrutura molecular e os processos de relaxação e cristalização de vidros, desenvolvimento de vitro-cerâmicos para fins médicos e odontológicos, e desenvolvimento de novos vidros, com combinações pré-determinadas de propriedades, via algoritmos de inteligência artificial
Para saber mais sobre o assunto assista:
Programa Paideia – Entrevista Prof. Dr. Edgar Dutra Zanotto – YouTube
Interview with Prof. Edgar D. Zanotto, a glass scientist at UFSCar, Brazil. – YouTube
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