Durante seus 63 anos de carreira, o Acadêmico Fernando Olavo Franciss, Engenheiro Civil especializado em geologia e geotécnica, tratou de diferentes questões relacionadas com a hidráulica dos maciços de rochas duras fraturados. Recentemente, decidiu legar sua experiência profissional nessa área em seu último livro, intitulado Hard Rock Hydraulics, distribuído desde de abril pela AMAZON, conforme pode ser livremente examinado através do endereço eletrônico Hard Rock Hydraulics: An Introduction to Modeling (English Edition) eBook: Franciss, Fernando Olavo: Amazon.com.br: Loja Kindle .

Mas suas preocupações não se limitaram ao assunto acima referido. Desde 1985, seus frequentes contatos com organizações de pesquisa e instituições de ensino europeias o convenceram de que grandes acidentes em obras públicas e explorações mineiras podem ser evitados (ou minimizados) com a correta aplicação da Gestão de Riscos Geológicos e Geotécnicos nas fases de estudos, projeto e execução.

Assim, publicou em 2019, junto com os renomados engenheiros André Assis e Roque Rabechini, o livro “Gestão de Riscos aplicada a Empreendimentos Complexos” que traça um panorama desse tipo de gestão no Brasil e enfatiza sua importância para agilizar, priorizar e integrar informações críticas para tomadas de decisão.  Conforme ele realça, o livro prestigia “o tratamento prático das situações reais vividas por gestores de riscos de grandes empresas ou de empreendimentos complexos”. Além disso, sinaliza como a ANE pode contribuir para este debate.

As novas obras de infraestrutura dos países desenvolvidos e em desenvolvimento são cada vez maiores e mais complexas, além de programadas para serem executadas em prazos cada vez mais   curtos. Daí a pergunta, como evitar ou minimizar seus riscos, além de tentar reduzir seus custos?

Fernando Olavo Franciss – Nas atuais circunstâncias, minha resposta só fará sentido se levar em conta as consequências socioeconômicas da atual pandemia porque sua reversão, até consolidar cenários toleráveis, demandará enormes esforços, não somente agora, mas em particular depois do controle do ambiente pandêmico, mormente nos países com moedas fracas. Então, sem dúvida, precisaremos errar menos, mas contando com recursos debilitados.

Além disso, a pandemia revelou que poucas decisões dos governos do Brasil, Espanha, Estados Unidos, França, Índia, Inglaterra, Itália, e Portugal, com exceção de Israel, foram acertadas. Para reverter isso, aqueles que subsidiam as tomadas de decisão nas altas esferas governamentais: advogados, estatísticos, economistas, engenheiros, médicos etc. deverão recorrer aos modelos modernos de gestão de riscos e oportunidades. Creio que cabe às academias e demais instituições de ensino superior, contribuírem nesse sentido.

O sr. é engenheiro civil, como descobriu a gestão de riscos?

Em três oportunidades. Nos anos 1985-89, razões profissionais favoreceram meu contato com engenheiros e geólogos de várias universidades e empresas petrolíferas da Suécia, Noruega e Finlândia. Nessa ocasião, conheci modelos de gestão de riscos aplicados às fases de projeto e execução de cavernas subterrâneas para estocagens de petróleo e derivados, bem como, para fins estritamente militares. Em 1.990, tomei conhecimento do amadurecimento das técnicas similares recomendadas pelo Institution of Civil Engineering – ICE, em Londres. A partir de então, venho acompanhando o desenvolvimento dessa modalidade de gestão através de mais de 100 publicações técnicas de diferentes países, mormente após 1991, época que deixei a Sondotécnica para trabalhar com Consultor independente pela PROGEO.

Em 2019 o sr. publicou junto com outros dois colegas um livro sobre Gestão de Riscos aplicada a Empreendimentos Complexos. Como surgiu a ideia do livro e qual o seu principal objetivo?

Decidimos escrever esse livro porque a Gestão de Riscos e Oportunidades estava muito negligenciada no Brasil. Sabemos que riscos não têm preferências e sempre irrompem, tanto como simples ameaças, ou já como riscos a resolver, em ambientes despreparados. Uns, pouco impactantes, outros agressivos, intensos e extensos.

Diante dessa realidade, decidimos ceder ao domínio público as informações essenciais do nosso Sistema Integrado de Gestão de Riscos, capaz de equalizar e comunicar em tempo real aos estamentos gerenciais do sistema e do ambiente sob vigilância, os resultados do tratamento dos principais parâmetros de decisão associados a cada risco, devidamente monetizados e probabilizados, visando agilizar, priorizar e integrar informações críticas para tomadas de decisão. Assim o livro prestigia o tratamento prático das situações reais vividas por gestores de riscos de grandes empresas ou de empreendimentos complexos.

O mundo mudou muito nos últimos anos. Como está a questão do gerenciamento de risco na construção? Ele se adaptou à nova realidade?

Na atualidade (2.021) teorias e práticas de gestão de riscos e oportunidades são aplicadas com relativo sucesso na astronáutica, aeronáutica, eletromecânica, sistemas de informação, sistemas de transportes e usinas nucleares. Em acréscimo, são muito utilizadas no setor financeiro, mormente nas tomadas de decisões de aplicações monetárias e no julgamento de propostas técnico-financeiras. Sua aplicação no bom funcionamento dos serviços hospitalares, além de obrigatória, é aplicada com muito rigor em certos países. Embora raramente divulgado, é muito utilizada em decisões envolvendo relações internacionais.

No Brasil modelos mais atuais começam a ser empregados na engenharia de solos e rochas. Aos interessados, recomendo o estudo atento de publicação ainda atual do The Institution of Civil Engineer-ICE; “Managing Geotechnical Risk – Improving Productivity in UK, Building and Construction”; Thomas Telford Publishing, 2001, bem como, as diretrizes dos volumes dos Eurocodes sobre a questão.

O que é gestão de risco e que tipo de profissional atua nessa área?

Basicamente, a gestão de riscos combina práticas de gestão com as da engenharia visando diminuir a probabilidade de ocorrência de eventos imprevistos capazes de afetar a segurança funcional e estrutural de qualquer tipo de sistema sob vigilância, seja natural ou de origem antrópica. No entanto, essa modalidade de gestão só é materializada a partir do momento em que seus stakeholders optam por reduzir seus riscos e também ampliar suas receitas. Porém, seu sucesso precisa do apoio total da sua alta direção e estamentos gerenciais e operacionais, mas sempre sob a orientação permanente de um Escritório de Risco, com poucos profissionais inteiramente dedicados ao assunto.

Respondendo a segunda parte da tua pergunta, podemos afirmar que qualquer engenheiro, trabalhador e estudioso, pode participar de um Escritório de Riscos, desde que entenda que os objetivos da gestão não resultam de trabalho individual, mas coletivo. Se for um líder nato poderá promover a cultura de gestão de riscos na organização; se seu pendor for eminentemente técnico, poderá trabalhar na detecção, análise, priorização e tratamento dos riscos antevistos; se for um comunicador, poderá atualizar e informar como evolui o Registros de Riscos; se for um executivo, poderá cuidar da materialização da soluções dos riscos; se for um gerente, responderá pela obtenção e controle dos recursos financeiros para materializar as soluções de tratamento de riscos projetadas etc.

Ao escritório de riscos cabe aplicar a Política de Riscos estabelecida pela alta direção da organização ou do empreendimento mediante a concretização, implantação e operação de um Sistema Integrado de Gestão de Riscos ad hoc. Sua principal missão consiste em detectar, analisar, resolver e acompanhar os tratamentos dos riscos antevistos promovendo, pari-passu, o intercâmbio de informações sobre a seu andamento e progresso. Nesse sentido, o Gestor de Riscos, para assegurar o bom êxito da missão do Escritório de Riscos, juntamente com sua equipe de trabalho, define critérios e consolida metodologias visando o fiel cumprimento dos cinco passos seguintes do processo de Gestão de Riscos:

 Passo I: Detecção dos riscos potenciais plausíveis e relevantes.

Passo II: Qualificação e quantificação da probabilidade, impacto e risco de cada ameaça adversa detectada (seu risco potencial).

Passo III: Priorização da relevância dos riscos potenciais já analisados e avaliação e cotejo dos prós e contras de seus possíveis tratamentos.

Passo IV: Seleção, projeto e implantação dos tratamentos mais eficazes diante das ameaças priorizadas, reduzindo-as a riscos residuais aceitáveis.

Passo V: Acompanhar e monitorar, durante certo tempo ou sempre, dependendo do tipo de sistema sob vigilância, a eficácia das respostas implantadas, visando preservar o nível do risco residual já colimado e possibilitar a detecção de eventuais novos riscos.

Em grandes organizações ou empreendimentos que controlam seus riscos e oportunidades a materialização de um Escritório de Riscos é mandatória, indispensável. Caso não o seja, a gestão de riscos não passará das boas intenções!

A gestão de risco poderia ter evitado acidentes como o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho e outros casos similares?

Desconheço como foi feita a gestão de risco em Brumadinho, portanto não posso opinar. Contudo, é necessário esclarecer que sua pergunta necessita de um pequeno reparo, pois a meta de qualquer gestão de riscos consiste apenas em diminuir a probabilidade de ocorrência dos possíveis acidentes capazes de comprometer a segurança funcional e estrutural do sistema ameaçado, mas nunca garantir que um grave acidente ou desastre não ocorrerá. Mas, para enfatizar sua grande eficácia, convém esclarecer que essas probabilidades são extremamente baixas, da ordem de 10-4/ano a 10-9/ano, portanto bem abaixo dos limites socialmente toleráveis para diferentes tipos de riscos e sistemas sob vigilância

Cabe, portanto, ao Gestor do Risco avaliar se a gestão dos vários tipos de ameaças que rondam o sistema sob seu controle já atingiu probabilidades de ocorrência aceitáveis, consoante os padrões ou normas de referência eleitos. Tal conceituação difere da aplicável ao tradicional Coeficiente de Segurança, que não associa ao seu valor nenhuma probabilidade de ocorrência. Assim, somente com a utilização de Métodos Probabilísticos, a exemplo dos preconizados pelos Eurocodes, é possível associar uma distribuição contínua de probabilidades para todos os valores de coeficientes de segurança do sistema sob vigilância, em particular, os valores extremos, mas associados às confiabilidades recomendadas pelos códigos adotados.

De forma prática, quais são os benefícios da gestão de risco aplicada em uma grande organização ou empreendimento?

Além de reduzir seus custos e prazos no atendimento de seus fins, a gestão adequada de seus riscos e oportunidades diminui a frequência de acidentes ou desastres capazes de comprometer as metas estratégicas e táticas estabelecidas pela sua Política Geral.

 Como deve ser feito um bom programa de gerenciamento de risco?

O planejamento de gestão de riscos deve especificar, para cada tipo de área ou unidade operacional da organização ou empreendimento, como os sucessivos ciclos de gestão deverão ser conduzidos. Nada impedindo sua revisão ulterior quando imperiosa. Em princípio, o planejamento das suas sucessivas etapas, deverão levar em conta as seguintes observações:

Etapa I – EMBASAMENTO POLÍTICO: Especificar as principais condicionantes da gestão: custos, prazos, imposições legais e margens toleráveis. A abrangência, escopo e frequência dos ciclos de gestão também devem ser formalizados. A revisão da frequência dos ciclos depende de aumento, originalmente insuspeito, da complexidade da gestão, bem como, de eventuais alterações no escopo, prazos e recursos inicialmente previstos. A possibilidade de eventuais ocorrências com fatalidades, também deve ser sempre considerada.

Etapa II – ANÁLISE DOS RISCOS: Especificar critérios e procedimentos a empregar na identificação de Cenários de Riscos e na valoração qualitativa e quantitativa de seus impactos, sempre balizados pelas legislações federal, estadual e municipal. Comporta também definir nessa etapa as regras para priorizar riscos em função da sua criticidade relativa. Finalmente, estipular qual modalidade de Registro de Riscos a adotar, bem como, a forma de utilizar e alimentar Bancos de Dados próprios e, eventualmente, de terceiros.

Etapa III – GESTÃO DOS RISCOS: Especificar metodologias a prestigiar nas análises de contingência, nos critérios de aceitação de riscos e nas decisões associadas aos cenários de risco e respectivos planos preventivos/reativos nas situações de risco. Definir também regras quanto à conveniência da materialização imediata de algumas das medidas proativas. Deliberar quanto às modalidades de juízos críticos de aceitação dos riscos residuais. A modalidade de Registro de Riscos também deve ser pensada nessa ocasião.

Etapa IV – MONITORAÇÃO, CONTROLE E COMUNICAÇÃO: Idealizar o tipo de controle e processos de comunicação sistemática do andamento da gestão e decisões, como também do progresso da monitoração e controle das ações proativas. Programar os treinamentos de ações reativas de emergência.

Como a ANE pode contribuir nesta discussão sobre Gestão de Risco?

Divulgando sua necessidade e conceituação mais atual através da divulgação e discussão das recentes revisões de normas e procedimentos sobre o tema, emitidas e periodicamente revistas por instituições e estabelecimentos de ensino e pesquisa de prestígio.

Quando falamos em risco, estamos falando sempre em algo negativo?

Durante a vida de uma organização ou empreendimento sempre surgem mais riscos que oportunidades No entanto, ambas ocorrências nunca devem ser ignoradas, mormente se seus valores monetizados forem relativamente elevados, segundo limites contemplados pela Política de Riscos.

Algo mais que o sr. gostaria de acrescentar?

Sim, salientar que a gestão de riscos não se restringe à simples verificações de checklists ou feitura de auditagens periódicas, sendo seu principal propósito antecipar, analisar e impedir que ameaças em potencial, mas inicialmente não antevistas, se transformem em eventos indesejados. Naturalmente, no caso de oportunidades, o propósito é que se transformem em benesses.  O importante é perceber qual? Quando? Onde? Por Quê? Como? etc. um risco ou uma oportunidade com tal probabilidade de ocorrência poderá surgir, visando reduzir seu impacto ou aproveitar sua benesse.